Uma nova agenda de saúde para as Américas até 2030: promessa da 29ª Conferência Pan-Americana de Saúde – artigo de Paulo Buss

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Saúde e sustentabilidade

Uma nova agenda de saúde para as Américas até 2030: promessa da 29ª Conferência Pan-Americana de Saúde – artigo de Paulo Buss


​Salão principal da Conferência na sede da Opas, em Washington DC, onde se reúnem os ministros da Saúde, delegados do evento

AUTORIA
Paulo Buss

PUBLICADO outubro 17, 2017
ATUALIZADO 27 fevereiro 2025

29ª Conferência Pan-Americana de Saúde da Opas[i], aprovou, na semana de sua realização (22 a 26 de setembro de 2017), uma nova agenda de saúde para as Américas, além de uma série de estratégias e planos de ação em diversas áreas de trabalho. As decisões foram tomadas pelos ministros de Estado da Saúde que representam os 35 Estados-membros da organização. Criada em 1902, a Organização Pan-Americana da Saúde é também o Escritório de Representação da Organização Mundial da Saúde para a Região das Américas (AMRO) e órgão máximo de deliberações e da diplomacia da saúde no continente.

Na mesma oportunidade, a doutora Carissa Etienne foi reeleita, por unanimidade, diretora geral da organização por mais quatro anos (2017-2021). O novo diretor geral da Organização Mundial da Saúde, doutor Tedros A. Ghebreyesus, recém-eleito (maio de 2017, na Assembleia Mundial da Saúde) participou do evento.

A Agenda de Saúde Sustentável para as Américas 2018-2030[ii], que é obviamente inspirada na Agenda do Desenvolvimento Sustentável 2030 das Nações Unidas, estabelece onze objetivos e 60 metas, que cobrem amplo espectro de expectativas, incluindo a cobertura universal em saúde, o enfrentamento de enfermidades transmissíveis e não transmissíveis e um amplo conjunto de outros objetivos.

Por ocasião da conferência foi lançada a mais icônica das publicações periódicas da Opas, intitulado Salud en las Américas[iii], elaborada a cada cinco anos, e que analisa tendências, objetivos e condições de saúde na região. Num próximo artigo, dada sua importância e fonte inesgotável de informações atualizadas sobre a região e cada um de seus países, vou compartilhar comentários sobre a publicação com os leitores deste blog.

A ‘Agenda de Saúde Sustentável para as Américas 2018-2030’, inspirada na Agenda do Desenvolvimento Sustentável 2030, estabelece onze objetivos e 60 metas, que cobrem amplo espectro de expectativas

Uma série de estratégias e planos de ação foram adotados pelos Estados-membros na Conferência, entre os quais:

  • Estratégia para as políticas nacionais de recursos humanos, visando alcançar a saúde universal e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS)[iv];
  • Plano de ação para o fortalecimento das estatísticas vitais da população de cada país[v];
  • Plano de ação para manter a eliminação de sarampo, rubéola e síndrome da rubéola congênita[vi];
  • Estratégia e plano de ação para fortalecer o controle do tabaco na região[vii];
  • Política sobre etnicidade e saúde para melhorar a saúde dos povos indígenas, afrodescendentes e populações ciganas[viii].

Uma série de eventos paralelos e exposições – inclusive uma sobre Oswaldo Cruz no seu centésimo ano de falecimento, organizada pela Fiocruz – criaram oportunidade para o intercâmbio de experiências e o debate sobre temas como equidade em saúde, mudanças climáticas, saúde dos migrantes, fortalecimento dos serviços de saúde para melhorar a abordagem das doenças crônicas e uso de políticas reguladoras para promover, apoiar e proteger a alimentação saudável. Os furacões que devastaram partes do Caribe e dos Estados Unidos, e os terremotos que causaram centenas de mortes no México também ocuparam lugar central nos debates, com a comunidade sanitária continental solidarizando-se com as famílias das vítimas e as nações afetadas e programando ações de recuperação sanitária das regiões afetadas.

 

A Agenda da Saúde

Os onze objetivos da Agenda incluem uma série de áreas de ação consideradas essenciais para fortalecer os sistemas de saúde dos países quanto à sua eficiência, efetividade, equidade e sustentabilidade, com o objetivo final de garantir o acesso universal à assistência médica de que necessitam e sem afetar a vida financeira das famílias.

A Agenda baseia-se nos progressos alcançados no âmbito dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) na região e nos objetivos estabelecidos na Agenda de Saúde para as Américas 2008-2017[ix], adotada pelos Estados-membros da Opas em 2007.

Entre os avanços regionais em matéria de saúde, figura um aumento de 3,2 anos na expectativa de vida média entre 2000 e 2015, reduções significativas da mortalidade infantil e importante redução das enfermidades transmissíveis, como Aids, tuberculoses e malária; a eliminação da circulação endêmica do sarampo (em 2016) e a eliminação da rubéola e da síndrome da rubéola congênita (em 2015).

A despeito de tais avanços, persistem importantes desigualdades em saúde, seja entre os países de renda baixa, seja entre os de renda alta da região, e também entre os diferentes grupos de população no interior dos países. Com a nova Agenda, houve convergência na visão de priorizar ações que ajudem a assegurar progressos mais equitativos na região.

Objetivos da Agenda de Saúde Sustentável para as Américas

  1. Ampliar o acesso equitativo a serviços de saúde integrais, integrados e de qualidade, centrados nas pessoas, família e comunidade, com ênfase na promoção da saúde e na prevenção de enfermidades.
  2. Fortalecer a reitoria e governança da autoridade nacional de saúde (ministérios da Saúde) e promover a participação social.
  3. Fortalecer a gestão e o desenvolvimento de recursos humanos para a saúde com competências para a abordagem integral da saúde.
  4. Alcançar financiamento adequado e sustentável para a saúde, com equidade e eficiência, e avançar na proteção contra riscos financeiros para todas as pessoas e suas famílias.
  5. Assegurar o acesso a medicamentos essenciais e vacinas, assim como a outras tecnologias sanitárias prioritárias, segundo a evidência científica disponível e o contexto nacional.
  6. Fortalecer os sistemas de informações para a saúde, visando apoiar o desenvolvimento de políticas e a tomada de decisões baseadas em evidências.
  7. Desenvolver capacidades para a geração, transferência e uso de evidências e conhecimentos em saúde, promovendo pesquisa, inovação e uso das tecnologias.
  8. Fortalecer a capacidade nacional e regional de preparação, prevenção, detecção, vigilância e resposta aos surtos de doenças e às emergências e desastres que afetam a saúde.
  9. Reduzir a morbidade, deficiências e mortalidade por enfermidades não transmissíveis, traumatismos, violência e transtornos mentais.
  10. Reduzir a carga de enfermidades transmissíveis e eliminar as enfermidades negligenciadas.
  11. Reduzir as desigualdades e iniquidades em saúde por meio de enfoques intersetoriais, multisetoriais, regionais e sub-regionais dos determinantes sociais e ambientais da saúde.

A agenda tem 60 páginas e foi elaborada por um conjunto de Estados-membros designados para esse fim, entre outubro de 2016 e setembro de 2017.

 

Os objetivos foram definidos tomando em conta a situação de saúde da região, os temas inconclusos dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, as áreas de ação da Agenda de Saúde para as Américas 2008-2017, as metas de impacto e os resultados intermediários dos planos estratégicos da Opas, as metas de saúde do ODS 3 e outras metas relacionadas com saúde na Agenda 2030, ajustadas ao contexto regional.

A Agenda será implementada por meio dos planos estratégicos e estratégias da Opas, assim como de planos de saúde nacionais e sub-regionais. No elenco de valores da Resolução encontra-se o que os ministros da Região denominam de “solidariedade pan-americana”, constituída, segundo o texto, de sólidas alianças bilaterais e a cooperação Sul-Sul entre os Estados-membros, assim como a cooperação multilateral e regional, com os processos dinâmicos de integração. Estes seriam os mecanismos básicos para intercambiar enfoques e experiências eficazes, assim como bens e serviços a fim de alcançar as metas comuns e superar as iniquidades em saúde.

Ou seja, os ministros apostam num conjunto coerente de inter-relações, reunindo a Opas e planos de outros processos de integração, abrindo mão de uma condução única e unilateral, para implementar a Agenda da Saúde Sustentável das Américas.

Salta aos olhos a meta 11 da Agenda das Américas, que assume a centralidade dos determinantes sociais e ambientais da saúde, o que é ignorado na Agenda 2020. Esse é um avanço da região.

Quando se examinam comparativamente as metas do ODS 3 (Assegurar vidas saudáveis e bem estar para todos em todas as idades) da Agenda 2030 global e da Agenda das Américas, aparecem algumas diferenças que passamos a comentar.

Em primeiro lugar, salta aos olhos a meta 11, que assume a centralidade dos determinantes sociais e ambientais da saúde, o que é ignorado na agenda global. Esse é um avanço da região, pois são fartas as evidências de que a saúde não é apenas um produto da biologia humana, mas o resultado de processos sociais, econômicos e ambientais, na mais ampla acepção que tais conceitos possam representar. Creio ser este o maior diferencial entre as duas agendas.

De outro lado, os ministros da região avançam no tema da intersetorialidade no âmbito regional desde 2014, quando aprovaram a resolução sobre saúde em todas as políticas[x], que convoca os demais setores a se comprometer com as consequências de suas políticas sobre a saúde, mas apresenta junto as vantagens que populações saudáveis podem aportar ao social e ao econômico na região, além de propor um plano de ação a ser cumprido.

Agregue-se a esse quadro político-institucional a criação, pela direção da Opas, da Comissão sobre Equidade e Desigualdades em Saúde na Região das Américas[xi], composta por especialistas independentes, que deverá avaliar as evidências disponíveis sobre as causas dessas desigualdades nas Américas e recomendar ações para melhorar a saúde e o bem estar, num marco de referência que considera direitos humanos, equidade, gênero e etnicidade. Diversas resoluções já existentes, referentes a essas dimensões, deverão receber atenção especial para seu cumprimento neste e nos próximos anos.

Contudo, se essa agenda que contém elementos mais avançados do que a agenda global será cumprida nas Américas vai depender de iniciativas políticas dos governos da região, tanto no setor saúde, quanto em outros setores fundamentais pelo efeito de suas políticas sobre a saúde.

Cabe à sociedade civil dos nossos países, no Brasil representada, por exemplo, pelo Conselho Nacional de Saúde, arguir constantemente o Ministério da Saúde sobre o compromisso assumido em Washington na 29ª Conferência Pan-Americana da Saúde e cobrar a prestação de contas de políticas coerentes para sua implementação.      

* Diretor do Centro de Relações Internacionais em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Cris/Fiocruz).

 

REFERÊNCIAS


[i] Para uma visão geral da 29ª Conferência, acessar: www.paho.org/csp29

[ii] 29a. Conferencia Sanitaria Panamericana. CSP 29/6 Rev. 3*. Agenda de Salud Sostenible para las Américas 2018-2030: Un llamado a la acción para la salud y el bienestar en la Región. Acesso: file:///C:/Users/Paulo/Downloads/CSP29-6-s.pdf

[iii] OPAS (2017). Salud en las Américas. Acesso: http://www.paho.org/salud-en-las-americas-2017/?lang=es

[iv] 29a. Conferencia Sanitaria Panamericana. CSP29/10. Estrategia de Recursos Humanos para el acceso universal a la salud y la cobertura universal de salud. Acesso: file:///C:/Users/Paulo/Downloads/CSP29-10-s.pdf

[v] 29a. Conferencia Sanitaria Panamericana. CSP29/9. Plan de Acción para el fortalecimiento de las Estadísticas Vitales 2017-2022. Acesso: file:///C:/Users/Paulo/Downloads/CSP29-9-s.pdf

[vi] 29a. Conferencia Sanitaria Panamericana. CSP29/8. Plan de Acción para la sostenibilidad de la eliminación del sarampión, la rubéola y el síndrome de rubéola congénita en las Américas 2018-2023. Acesso: file:///C:/Users/Paulo/Downloads/CSP29-8-s.pdf

[vii] 29a. Conferencia Sanitaria Panamericana. CSP29/11. Estrategia e Plan de Acción para fortalecer el control del tabaco en la Región de las Américas 2018-2022. Acesso: file:///C:/Users/Paulo/Downloads/CSP29-11-s.pdf

[viii] 29a. Conferencia Sanitaria Panamericana. CSP29.R3. Política sobre etnia e saúde. Acesso: file:///C:/Users/Paulo/Downloads/CSP29.R3-p.pdf

[ix] OPAS (2007). Agenda de Saúde para as Américas 2008-2017. Acesso:  file:///C:/Users/Paulo/Downloads/HAgenda_Portug%20(1).pdf

[x] 53º. Conselho Diretor. CD53/10, Rev. 1. Plano de Ação sobre Saúde em Todas as Políticas. Acesso: file:///C:/Users/Paulo/Downloads/CD53-10-p.pdf

[xi]  Comisión de Equidad y Desigualdades en Salud en la Región de las Américas. Acesso: http://www.instituteofhealthequity.org/file-manager/PAHODocuments/commission-one-pager-spa.pdf

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