Se a crise de 2008 afetou principalmente os setores do emprego predominantemente masculinos (construção civil, indústria e transportes), a crise atual atinge setores fortemente marcados pela presença de mulheres: hotelaria, turismo, comércio varejista e emprego doméstico, aponta um estudo estadunidense. E o recuo do emprego feminino já é visível. Nos Estados Unidos, 5,3 milhões de mulheres perderam seus empregos em novembro, em comparação com 4,6 milhões de homens. Na Colômbia, a epidemia privou de trabalho duas vezes mais mulheres (2,5 milhões) do que homens e, em outubro passado, sua taxa de desemprego era o dobro (20%) dos homens.
Mesmo que em alguns países (França, Espanha, Itália...) as medidas parciais de desemprego tenham até agora limitado a perda de empregos, muitas falências são esperadas, a longo prazo, em setores que estão sujeitos a fechamentos prolongados. No turismo, as mulheres representam 54% da força de trabalho global e a mesma proporção dos 75,4 milhões dos empregados em hotéis e restaurantes (na França: 84% dos funcionários de hotéis e 57% dos trabalhadores de restaurantes).
As mulheres são, em todo o caso, “mais vulneráveis à perda do emprego”, lembra a OCDE, pois ocupam posições mais precárias e com maior frequência em tempo parcial, uma fragilidade que as prejudica quando o mercado de trabalho se contrai. Na Índia, embora representem apenas 11% dos assalariados, elas representam 52% dos que perderam seus empregos durante o confinamento da primavera de 2020, destaca o Centro de Monitoramento da Economia (CMIE). E o risco de não voltarem a trabalhar mais tarde é onze vezes maior que o dos homens.
47 milhões de mulheres pobres
Um dos setores mais afetados pelos confinamentos da primavera de 2020 é o emprego doméstico. Os 67 milhões de trabalhadores deste setor no mundo, 80% deles são mulheres, viveram o auge da crise no final de junho de 2020: 72% deles sofreram redução da jornada de trabalho ou perderam o emprego, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Na sua maioria não declarados, esses trabalhadores não tinham direito a qualquer renda de substituição.
A Espanha é um dos poucos países a fornecer ajuda emergencial a 180 mil delas, mas em Nova York, 80% dos 200 mil trabalhadores domiciliares perderam seus empregos sem indenização, segundo a Aliança Sindical do setor. O mesmo vale para milhões de outras pessoas em todo o mundo, muitas vezes imigrantes, oriundas de minorias e sem proteção social.
Porém, o choque de uma demissão é mais difícil de superar para as mulheres, pois com salários inferiores aos dos homens (- 16% em média no mundo, com picos de 35% em alguns países), elas têm uma pequena poupança. Além disso, “constituem a maioria das famílias monoparentais” em todo o mundo, lembra a ONU.
Estima-se que a crise deva mergulhar 47 milhões de mulheres a mais na pobreza extrema neste ano, elevando seu total global para 435 milhões, estimam a ONU Mulheres e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Antes da pandemia, sua taxa de pobreza deveria ter diminuído 2,7% entre 2019 e 2021, mas aumenta 9,1% e um retorno ao nível pré-pandêmico não é previsível antes de 2030.
Na linha de frente nos hospitais
Além disso, no mundo, as mulheres constituem 70% das famosas “profissões essenciais” mobilizadas em hospitais, nos cuidados domiciliares, comércios de alimentos, farmácias, escolas e trabalhos de limpeza. Na França, é nesses setores não devidamente valorizados e mal pagos (muitas vezes o salário mínimo) que a carga e o tempo de trabalho aumentaram mais com a chegada do vírus, indica um estudo publicado pela Ugict-CGT. E isso é verdade em outras partes do mundo.
Além disso, essas profissões as expõem excessivamente ao risco de epidemias. No setor de saúde, onde 70% dos trabalhadores são mulheres, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), enfermeiras, auxiliares de enfermagem e auxiliares de domicílio estão na vanguarda do atendimento aos doentes. E, embora na população em geral as mulheres sejam menos infectadas do que os homens com o coronavírus, elas foram “três vezes mais” infectadas entre os trabalhadores da saúde, observa a ONU. Assim, elas são 72% das cuidadoras contaminadas na Alemanha, 75% na Espanha, 68% na Itália, 73% nos Estados Unidos, de acordo com outro estudo.
E quem vai cuidar das crianças?
Na primavera de 2020, escolas e creches foram fechadas em 162 países: em meados de maio, 70% das crianças do mundo estavam em casa, o que teve um impacto imediato na vida das mulheres.
Nos Estados Unidos, a participação das mães no mercado de trabalho caiu 3%, contra 1,2% dos pais. Na França, em sete de cada dez casos são as mães que faltam por doença para cuidar dos filhos. A decisão de se licenciar foi obviamente imposta às famílias monoparentais, que são mulheres em 70% dos casos nos Estados Unidos e 85% na França. Mas, do outro lado do Atlântico, onde essas licenças não são indenizadas, muitas mães solteiras tiveram de abandonar totalmente o emprego.
Inevitavelmente, esses confinamentos aumentaram a carga doméstica já suportada pelas mulheres: em 22 países, 49% delas relataram gastar mais tempo limpando e 36 a 37% cuidando de crianças e cozinhando, de acordo com a ONU Mulheres.
A OCDE, por sua vez, estimou em 27 horas semanais o acréscimo de tarefas domésticas e educacionais das famílias em cinco países (França, Itália, Reino Unido, Estados Unidos, Alemanha) durante o confinamento da primavera de 2020. E sem surpresa nenhuma, as mulheres consagraram a essas atividades quinze horas a mais do que os homens.
“A epidemia aumentou consideravelmente a sua cota de trabalho não remunerado”, confirma a Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho (Eurofound). “E o teletrabalho revelou-se ser um fardo a gerenciar para muitas mães, fazendo malabarismos com sua profissão, educação em casa para os filhos e tarefas familiares, tudo no mesmo espaço reduzido”.
Retrocesso na independência das mulheres
Ao reduzir sua renda, suas oportunidades de emprego e aumentar seu trabalho doméstico, a pandemia teve um forte impacto na independência de milhões de mulheres. “Esta crise representa um sério risco de anular décadas de progresso na questão da igualdade de gênero”, alerta a Eurofound, para quem alguns efeitos serão temporários, mas “outros podem ser duradouros”.
Também existe o grande risco de ver esses retrocessos repercutirem sobre várias gerações. Porque o fechamento das escolas tirou delas 743 milhões de meninas no mundo. As aulas reabriram de forma muito desigual entre os continentes e, nos países em desenvolvimento e emergentes, muitas meninas correm o risco de não voltar, empurradas pelas tradições para permanecerem na esfera doméstica.
Finalmente, os confinamentos, infelizmente, inflamaram a violência de gênero. A OMS Europa relatou um aumento de 60% nas chamadas de emergência de mulheres vítimas ou ameaçadas de violência, em comparação com o mesmo período em 2019. Na França, as notificações aumentaram 40% durante o primeiro confinamento e 60% durante o segundo. A tendência é idêntica em todo o mundo, com quase um terço a mais de denúncias para Cingapura, Chipre ou Argentina.
Para as mulheres, o histórico socioeconômico da pandemia é desolador. Teremos que aprender lições e repensar uma economia que, em todos os lugares, não valoriza suficientemente seus empregos e as mergulha mais rapidamente na precariedade. Também será necessário implementar políticas proativas para encorajar imediatamente o retorno das meninas à escola, ajudar as mulheres a encontrar empregos em tempo integral, a sair da pobreza e a recuperar o terreno perdido na partilha das tarefas.
No “mundo pós-pandemia”, as lutas das mulheres para alcançar os objetivos ainda distantes de igualdade correm o risco de se assemelhar às do mundo de antes. Mas elas terão que começar de mais longe.