Os benefícios terapêuticos das substâncias psicodélicas derivam não só dos efeitos que produzem nas células, como também, de forma indispensável, da experiência subjetiva, vivida por quem recebe essas drogas. Ignorar o aspecto da subjetividade e os rituais que envolvem a administração dos psicodélicos, bem como a relação daquele que vivencia essa experiência consigo mesmo e com o contexto, é uma perspectiva reducionista. A análise e o alerta estão no artigo Ciência psicodélica e xamanismo indígena: um diálogo urgente (Psychedelic science and Indigenous shamanism: an urgent dialogue), publicado na revista Nature Mental Health pelos pesquisadores Adana Omágua-Kambeba, da organização Chacruna Latinoamerica, de Belo Horizonte (MG), Beatriz Caiuby Labate, do Chacruna Institute e do California Institute of Integral Studies, ambos em em São Francisco, Califórnia (EUA), e Sidarta Ribeiro, do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e integrante do projeto de pesquisa sobre Saúde Mental, do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz (CEE-Fiocruz).
Conforme destacam os autores, as mudanças mentais proporcionadas pelos psicodélicos representam “uma oportunidade para a autoexploração e um mergulho nas relações com outros seres, humanos e não humanos, a natureza, o cosmos e o mundo espiritual invisível”. Os psicodélicos aumentam a plasticidade dos neurônios. No entanto, explicam, esse aumento da neuroplasticidade é apenas um dos componentes da Terapia Assistida por Psicodélicos (PAT, na sigla em inglês). “A história e as características pessoais de um indivíduo e o contexto sociocultural são igualmente essenciais”, observam. “Simplesmente tornar a mente maleável não é suficiente; tanto o terapeuta quanto o paciente precisam moldá-la de forma colaborativa”.
Os pesquisadores observam, ainda, que o foco apenas nos componentes ativos das plantas terapêuticas vai contra a complexidade do sofrimento humano, tentando medicá-lo rapidamente, impedindo o processo de autorreflexão e enfrentamento da dor. “A sociedade consumista ocidental procura gratificação instantânea. Nas tradições indígenas, medicamentos à base de plantas são usados dentro de ricas práticas ritualísticas, contextos que compreendem o mental, o físico e dimensões espirituais”, apontam. “A simplificação contrasta com a abordagem xamânica de abraçar exploração interior, comunidade e o sagrado para uma cura mais profunda”, defendem.
Compromisso com os direitos de propriedade indígenas
A Convenção sobre Diversidade Biológica e o Protocolo de Nagoya [acordo criado durante a COP 10, em 2010, na cidade japonesa de Nagoia, regulamentando o acesso a recursos genéticos], lembra o artigo, representam “passos na direção certa”, no sentido de respeitar as comunidades indígenas e reconhecer sua propriedade intelectual, “garantindo a partilha justa de benefícios e visibilidade cultural e evitando a apropriação cultural”, à medida que os psicodélicos ganham importância global. Os autores lembram que 128 países participam dos acordo sobre justiça e partilha equitativa de benefícios derivados de genética e recursos culturais. No entanto, países de expressão no cenário global, como EUA e China não aderiram a esse compromisso com os direitos indígenas.
“O renascimento psicodélico não deve desvalorizar o conhecimento indígena ou tratá-lo como mera anedota. Aqueles que foram pioneiros na descoberta psicodélica devem ser priorizados, fomentando colaborações baseadas na justiça epistemológica. Reconhecendo que os indígenas e seus sistemas de conhecimento são tão valiosos quanto a pesquisa biomédica é crucial”, alertam.