Estudo publicado na revista inglesa The Lancet sobre os efeitos do programa Bolsa Família no resultado do tratamento da tuberculose evidenciou que é positivo o impacto de programas de transferência de renda sobre o estado de saúde da população. Assinado por 15 pesquisadores, o estudo partiu do pressuposto de que intervenções de proteção social poderiam melhorar os resultados referentes à tuberculose e ajudar a controlar a epidemia no Brasil. O trabalho envolveu o acompanhamento de 1.239 pessoas com 18 anos de idade ou mais, que haviam iniciado tratamento para a doença, localizadas em 42 centros de saúde de sete cidades do país, entre 1 de março de 2014 e 30 de abril de 2017.
Elas foram separadas em dois grupos, de acordo com o status de beneficiários (196 ou 16%) ou não (1.043 ou 84%) do Bolsa Família. Após os seis meses estimados para o tratamento e cura da doença, 912 (87%) dos não beneficiários e 173 (88%) dos beneficiários foram curados. Embora o percentual fosse praticamente o mesmo, fatores relacionados à propensão à doença foram levados em conta na metodologia de análise, identificando-se, assim, uma taxa de cura 7,6% maior no grupo beneficiário e que a proporção de pacientes que abandonaram o tratamento foi menor que 7% nesse grupo. “O Bolsa Família mostrou efeito positivo para a cura e negativo para o abandono do tratamento”, escreveram os autores.
Quanto aos demais participantes, 103 (10%) do primeiro grupo e 17 (9%) do segundo haviam desistido do tratamento; 25 do primeiro e do segundo haviam morrido; e três também do primeiro grupo desenvolveram tuberculose resistente a medicamentos.
Foram considerados curados os pacientes que completaram o tratamento e tiveram dois testes de baciloscopia negativa, ou melhora clínica e exame físico normal nos casos em que o teste não foi realizado, recebendo alta médica. Os pacientes com tuberculose extrapulmonar foram considerados curados, quando completaram o tratamento e tiveram melhora clínica, evidência radiológica ou outros exames complementares.
O Bolsa Família mostrou efeito positivo para a cura e negativo para o abandono do tratamento
Ao estimarem o efeito médio do Bolsa Família também de acordo com o escore de propensão à doença, os pesquisadores levaram em conta que os pacientes beneficiários tendiam a ser mais jovens, mestiços, usuários de drogas ilícitas, menos instruídos, com renda mensal individual menor e menor probabilidade de ter um seguro de saúde do que os não beneficiários. Os beneficiários, ainda, demonstraram maior vulnerabilidade social – o que justificava sua participação no programa.
O estudo, que incluiu entrevistas face a face, destacou, ainda, que as famílias que vivem na pobreza têm não só baixa renda, como menos oportunidades de melhorar as condições de vida, uma vez que seu acesso à educação é limitado, o que afeta as oportunidades de emprego. Os dados apresentados pelos autores, apontaram que, no Brasil, mais de 80% dos adultos (com mais de 25 anos) de famílias beneficiárias do Bolsa Família têm baixa escolaridade (15,8% são analfabetos e 65,3% não concluem o ensino fundamental), o que reduz as oportunidades de emprego e os limites de acesso aos serviços de utilidade pública.
“Nossos dados destacam as desvantagens sociais e econômicas experimentadas pelos pacientes com tuberculose (com ou sem o Bolsa Família), apoiando a justificativa para intervenções que abordam essas necessidades sociais potencialmente não atendidas”, escreveram os pesquisadores, que consideraram os resultados encontrados condizentes com os de outros estudos sobre o efeito dos incentivos como método de proteção social nos resultados do tratamento da tuberculose em países de baixa renda, como Nigéria, Moldávia e Peru.
Eles lembraram que um componente-chave da Estratégia para a Erradicação da Tuberculose da Organização Mundial da Saúde e da Agenda 2030 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável é melhorar a saúde e o bem-estar dos indivíduos por meio de intervenções multisetoriais que abordam conjuntamente questões de saúde e pobreza.
Acesse a íntegra do estudo (em inglês) aqui.