O artigo 28 e a descriminalização do consumo de drogas

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Governança e regulação

O artigo 28 e a descriminalização do consumo de drogas


Foto: Agência Brasil

AUTORIA
CEE-FIOCRUZ

PUBLICADO junho 16, 2015
ATUALIZADO 27 fevereiro 2025

Ao decidir soltar, em maio, um jovem que havia sido preso há sete meses por porte de 69 gramas de maconha (ver aqui), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso levou para a prática uma bandeira: a repressão às drogas fracassou e descriminalizar é o melhor caminho para controlar o consumo. Nesse sentido, mais um passo está para ser dado, com a votação no Supremo Tribunal Federal (STF) do Recurso Extraordinário (RE) 635.659, que pede a inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas (nº 11.343), de 2006. O artigo 28 define como crime adquirir, guardar, ou portar drogas para consumo próprio, o que, no entendimento da Defensoria Pública do São Paulo, que entrou com o recurso, viola o princípio da intimidade e da vida privada.

O relator do processo é o ministro Gilmar Mendes, e a votação está prevista para o segundo semestre. Se o recurso for acatado pelo STF e este entender que o Estado não pode criminalizar o consumo, “haverá uma pequena revolução na matéria”, como definiu o ministro Barroso, em entrevista ao jornal O Globo, que teve grande repercussão, na qual reafirmou sua posição em favor da descriminalização do consumo e da regulamentação do comércio da maconha. “Insistir no que não funciona não faz sentido”, declarou.

Uma análise da Lei de Drogas e do artigo 28, realizada pelo Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, mostra que a lei, apesar de ter sido apresentada como inovadora por estabelecer tratamento jurídico diferenciado a usuários e traficantes, manteve a criminalização do usuário e uma “política ambígua” em relação a este, pautando-se, na prática, por uma “política de criminalização da pobreza”.

Veja algumas observações e conclusões que o boletim registra (a partir da análise de três pesquisas – Tráfico de drogas e ConstituiçãoImpacto da assistência jurídica a presos provisórios: um experimento da cidade do Rio de Janeiro e Prisão provisória e Lei de Drogas: um estudo sobre os flagrantes de tráfico de drogas na cidade de São Paulo):

• a distinção entre usuário e traficante é extremamente frágil, abrindo espaço à arbitrariedade do policial responsável pela abordagem;

• a maioria dos casos que envolvem porte de entorpecentes deriva de prisão em flagrante, de pessoas com perfil nítido: jovens, pobres, negros e pardos e, em geral, primários; 

• a maior parte das pessoas detidas por envolvimento com entorpecentes estava sozinha na hora do flagrante, sendo a única testemunha do caso o policial que efetiva a prisão, cuja palavra é supervalorizada pelo Judiciário;

primários; 

• são ínfimos os casos em que a pessoa presa por envolvimento com entorpecentes portava arma; na maior parte dos casos, a pessoa acusada portava pequena quantidade de entorpecentes;

primários; 

• desde a promulgação da Lei 11.343/2006, o comércio e o consumo de entorpecentes e o número de pessoas presas por tráfico vêm aumentando.

• A criminalização do porte de drogas para uso próprio, como está no artigo 28, não impediu o aumento do consumo e não levou à prevenção, atenção e resinserção de usuários dependentes de drogas.

• a alta suscetibilidade a abusos policiais e judiciais a que ficam expostos usuários por conta da criminalização atinge, diretamente, o direito fundamental à liberdade e também o direito fundamental à presunção de inocência (art. 5º da Constituição).

• a abordagem penal marginaliza pessoas que procurariam auxílio se houvesse abordagem exclusivamente social. Essa não incentivo à procura de assistência social viola o direito à informação (art. 5º da Constituição).

• a atual política de drogas criminaliza a pobreza e deixa em último plano a promoção de políticas sociais de acesso a equipamentos educacionais, sanitários e de serviço social.

• os resultados da guerra às drogas são catastróficos para as pessoas que, no discurso oficial, se pretende acolher, sem qualquer ganho visível no objetivo de prevenir o uso indevidor e reinserir socialmente usuários e dependentes de drogas. (Eliane Bardanachvili/CEE-Fiocruz)

 

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